quinta-feira, janeiro 12, 2006

Complexos de Superioridade

Nunca gostei do Presidente George Bush, mas também nunca caí na tentação de criticá-lo com os argumentos típicos da conversa de café.
Tentei, sempre que era possível, perceber a razão por trás das suas decisões e percebi que a grande maioria delas estava fundamentada num conjunto de princípios ideológicos simples e coeso, mas muito poderoso, o qual lhe permitia formular uma linha política internamente coerente. O “castelo” ideológico estava tão bem construído que conseguiu de facto desmantelar toda a oposição, como é fácil perceber pelo comportamento errático do partido democrata nos últimos anos.
Contudo, toda esta coerência ideológica parece que desapareceu no ano de 2005, com uma série de acontecimentos que marcaram negativamente a vida política americana ao longo do ano.
Não vou nem sequer analisar a política externa de G. Bush, mas antes quero comentar quatro episódios da sua política interna:
No Verão, o Presidente decidiu apresentar a sua consultora jurídica como candidata para o cargo judicial mais importante do país (a presidência do Tribunal Supremo), num exemplo claro de favoritismo que não se via desde a administração de Nixon.
Pouco tempo depois, o gabinete do Vice-Presidente, num gesto de vingança divulgou a identidade duma agente da CIA, pondo em risco a vida dessa pessoa e quebrando, assim, pelo menos uma lei federal.
No mês de Dezembro houve mais dois acontecimentos importantes: a polémica em torno ao uso da tortura e uma outra relativamente ao recurso a escutas internas por parte de agências federais.
No primeiro caso, o que para o resto dos países democráticos e que respeitam os Direitos Humanos é uma questão de lógica, para a administração Bush tem sido, nos últimos anos, uma questão necessária e legal para preservar a segurança: o recurso à tortura para obter informações é uma prática desumana e violadora dos DD HH, além disso é do conhecimento geral que não é uma prática efectiva, uma vez que se obtêm regularmente respostas falsas ou inúteis. Mesmo assim G. Bush e Dick Cheney consideram que ela deve ser usada regularmente.
No segundo caso, o Presidente aprovou desde o 11 de Setembro que as agências federais possam interceptar comunicações dentro do território americano sem uma ordem judicial no âmbito do “Patriot Act” e da luta contra o terrorismo. Além da questão do respeito pela privacidade que este acto levanta, existe uma outra sobre a sua legalidade, uma vez que, mesmo podendo faze-lo por vias legais, parece que o Presidente aprovou a prática ilegalmente.
Este pequeno conjunto de “incidentes” não demonstra, mas aponta para uma tendência no comportamento do Presidente, onde parece que G. Bush se considera acima das leis, podendo quebrá-las sempre que seja necessário defender a segurança dos Estados Unidos. Pelo caminho ficam a separação dos poderes do Estado, a supremacia do poder legislativo, o respeito pelos direitos e garantias e muitos outros elementos que caracterizam o Estado de Direito.
Respeitando as devidas diferenças, os poderes que George Bush tem vindo a adquirir desde os acontecimentos do 11 de Setembro e a impunidade com que os tem vindo a exercer lembram-me os períodos ditos excepcionais quando o Senado romano conferia a um líder o estatuto de Dictator, entregando-lhe todo o controlo do Estado durante um espaço limitado de tempo com o dever de restabelecer a segurança. Com os anos a prática tornou-se habitual, marcando o fim da República Romana. No Reino Unido, com a recente derrota da legislação anti-terrorismo de Tony Blair, o Parlamento decidiu que o respeito pelos direitos era mais importante que a segurança nacional; esperemos que o Congresso norte-americano também se aperceba disso.

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