Cavaco fez o seu primeiro discurso de 25 de Abril como Presidente da República. Fez bem em não ter cedido ao gesto fácil de levar um cravo na lapela (porque nunca o usou na vida). E fez bem em fazer um discurso que passou ao lado da pressão da agenda política, trazendo de volta à “espuma dos dias” o tema da exclusão social.
Com este discurso vamos assistir, seguramente, a muitas discussões sobre a “verdadeira natureza” de Cavaco Silva. Será que ele, afinal, é de esquerda? Ou é, antes, um político liberal que tenta disfarçar de quando em vez? Não será, pelo contrário, um verdadeiro democrata-cristão, conservador nos fundamentos, liberal no mercado mas esquerdista pelo lado cristão?
Enfim, Cavaco dá para horas de discussão. Mas a verdade é que ele não é um político com uma matriz muito clara, com tudo o que isso tem de bom e de mau. E o que tem de bom é, seguramente, a capacidade de surpreender. Foi o que fez hoje. Estava tudo (?) à espera de um raspanete aos deputados faltosos e estávamos todos (?) à espera de um sério aviso à execução orçamental do governo, na senda dos três tiros do FMI, OCDE e Banco de Portugal. Mas não, Cavaco optou por surpreender e dedicar o seu discurso à exclusão social, propondo um pacto para resolver ou atenuar um dos mais sérios e estruturais problemas do País.
Foi uma verdadeira surpresa, num excelente discurso, feito sem cravo à lapela. É claro que dá para perguntar porque é que só agora é que Cavaco Silva se lembrou de fazer este discurso. Mas dá, sobretudo, para perceber quão ridícula é a polémica do cravo: Cavaco podia ter posto um à lapela e fazer um discurso neo-conservador. Felizmente não cedeu. Agora resta-lhe ser consequente.
Ricardo Costa
Director-Adjunto de Informação da SIC
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