Tem sido recorrente, o alto nível de importância para os nossos cursos e para o interesse geral, dos artigos que João Marques de Almeida tem vindo a publicar no Diario Economico. Antes falou-nos do Islão/Ocidente e agora fala-nos do passado e futuro da Europa.
E por isso continuo a disponiblizar aqui no blog para aqueles que não tiveram oportunidade de ler no Jornal.
A França e a Europa
Como pode uma França mais fraca, numa Europa maior, voltar a ser um país central na construção europeia? Esta é uma das questões decisivas para o futuro da Europa. Neste momento, a França já não tem o poder para liderar, como fez até ao Tratado de Nice, mas possui a força suficiente para paralisar a União. A reconciliação dos franceses com a Europa exige, por um lado, uma nova política europeia e, por outro lado, alterações doutrinais nos principais partidos políticos. Não será nada fácil, mas não há nenhum atalho para encurtar o caminho. A primeira exigência pode ser reduzida a uma fórmula simples: a política europeia de Paris deve regressar a Monnet e abandonar De Gaulle. Para se entender esta afirmação, é necessário questionar a ‘versão convencional’ da história da integração europeia. Quando se refere a importância dos “Pais Fundadores” da integração europeia, sublinha-se a linha de continuidade entre a sua visão e os subsequentes momentos decisivos da construção europeia. As propostas iniciais de Monnet e de Schuman teriam que levar ‘necessariamente’ ao Tratado de Roma, o qual por sua vez estava condenado a culminar na Acto Único e na União Monetária, e o aprofundamento da integração europeia exigiria, ‘naturalmente’, a União Política e uma ‘Europa social’. Esta visão teve duas consequências muito negativas para as análises e os debates sobre a integração europeia. Em primeiro lugar, despolitizou a construção europeia, desvalorizando os confrontos entre diferentes interesses políticos. Depois, reduziu os conflitos doutrinais e ideológicos à oposição entre europeístas e anti-europeístas, ignorando assim as rupturas entre os diversos europeísmos, esta sim a questão crucial. Se colocarmos a política no centro da construção europeia e se aceitarmos a pluralidade das visões europeias, percebemos que De Gaulle não foi um herdeiro de Monnet. Este e Schuman foram dirigentes de uma França fraca, estavam, antes de mais, preocupados com a preservação da paz na Europa e eram genuinamente internacionalistas. A fraqueza da França e a paz europeia levou-os a aceitarem uma Europa com uma forte dimensão supranacional e assente no princípio da igualdade entre os Estados. O internacionalismo resultou na defesa de uma Europa aberta, atlântica e apoiada no funcionamento de um grande mercado regional. Em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, eles e os seus parceiros europeus acreditaram que tinham criado aquela Europa. No entanto, a visão dos Pais Fundadores ficou muito enfraquecida com o fim da IV República francesa. Logo em 1945, De Gaulle afirmou que “a grande causa da França é reconstruir o seu poder e recuperar a sua grandeza”. Quando regressou ao poder, em 1958, e iniciou a V República, foi para prosseguir a “grande causa”. De resto nunca escondeu a sua opinião negativa da construção europeia. Em 1954, os “Gaullistas” ajudaram a chumbar, na Assembleia francesa, a Comunidade de Defesa Europeia e, em 1957, votaram contra a ratificação do Tratado de Roma. Com De Gaulle na Presidência, a integração europeia deixou de ser uma solução para a fraqueza da França e transformou-se num instrumento da grandeza francesa. Por outro lado, o internacionalismo de Monnet e de Schuman deu lugar ao nacionalismo Gaullista. Para o general, a reconstrução europeia começou verdadeiramente com a assinatura do Tratado bilateral franco-alemão em 1963. A “Europa Gaullista” deveria ser uma pequena Europa subordinada à aliança franco-alemã, a qual por sua vez seria liderada por Paris. Assim, e de acordo com a lógica da aliança bilateral, De Gaulle impediu a entrada do Reino Unido na Comunidade Europeia e fez tudo para enfraquecer a Comissão. Os sucessores do General permitiram a adesão de Londres e alteraram a sua posição em relação à Comissão, mas no essencial continuaram, incluindo o único Presidente socialista, François Mitterrand, fieis à visão Gaullista. A fidelidade deve-se a uma razão muito simples: a grandeza da República e do Presidente estava profundamente ligada ao poder e à liderança da França na Europa. De um modo dramático, o fim da divisão da Alemanha e o alargamento da União acabaram com a visão Gaullista. A história raramente se engana nas suas ironias e não foi por acaso que o Presidente Chirac deixou de ser o símbolo da vontade colectiva do povo francês, um dos traços distintivos da V República, num referendo sobre a Europa. A nova Europa e a República Gaullista não pertencem ao mesmo mundo.Chegamos agora à segunda exigência. Como demonstram os últimos episódios da política francesa, o ‘nacionalismo anti-internacionalista’ continua a ser uma ideologia dominante, principalmente entre os principais partidos políticos. Em termos partidários deram-se três grandes transformações entre as IV e V Repúblicas. À direita, os partidos Gaullistas tornaram-se as principais forças políticas, e a democracia-cristã quase desapareceu. À esquerda, o Partido Socialista, que resultou da união de várias esquerdas não-comunistas, passou a ser o principal partido. Convém lembrar que os Gaullistas votaram por duas vezes contra a “Europa de Monnet”, apoiada pelos democratas-cristãos. Os socialistas dividiram-se nas duas votações dos anos de 1950, tal como aconteceu em 2005. Ou seja, enquanto a visão europeia de Monnet foi defendida por uma família política quase desaparecida, os principais partidos hoje ainda se revêem numa Europa que já acabou: a “Europa Gaullista”. Em grande medida, a resposta à questão inicial depende da resposta a uma segunda questão: conseguirão os principais partidos franceses aceitar uma visão da Europa contra a qual votaram na década de 1950? Esta questão é ainda mais relevante quando se percebe que a Alemanha da Chanceler Merkel se reconhece na “Europa de Monnet”. É neste contexto que se vai ter que resolver o confronto entre o Sim alemão e o Não francês ao Tratado constitucional. João Marques de Almeida, Director do Instituto de Defesa Nacional
in Diario Económico
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