O alargamento da NATO à Geórgia e à Ucrânia, ambas ex-repúblicas soviéticas, que tem vindo a ser defendido pelos Estados Unidos da América está a gerar uma divisão enorme no seio da Aliança Atlântica. Se por um lado, os Estados Unidos vêem nos alargamentos sucessivos a forma ideal para diminuir as suas despesas na organização, por outro algumas potências europeias, entre as quais a Alemanha e a França argumentam que a questão não é assim tão linear e que estes alargamentos podem vir a alterar o quadro geopolítico ocidental.
Num momento em que o Ocidente já não vê a Rússia como inimigo, o alargamento da NATO para além de poder vir a desenhar uma nova linha divisória na Europa - que funcionará como “um segundo muro de Berlim” - poderá também vir a agravar o sentimento nacionalista e xenófobo da Rússia assim como fazer reviver, ou antes, ajudar a perpetuar, a mentalidade típica da Guerra Fria e conduzir, finalmente, a novos episódios de caríssima competição no campo da tecnologia armamentista. Mas estes não são de todo os motivos que impossibilitam o alargamento num “presente futuro“. O que está hoje em cima da mesa é condicionado, a meu ver, por três factores: relações com a Rússia, quer por parte da UE, quer por parte dos dois Estados candidatos; interdependência; e problemas internos.
Relativamente às relações com a Rússia, a União Europeia tem vindo a intensificar as relações diplomaticas com este estado não só no campo economico mas também no político. Em relação à Geórgia e à Ucrânia, a Rússia vê este estado como um “cinturão de Segurança”, sendo que sempre assumiu na sua politica externa como fundamental manter a sua esfera de influência.
A interdependência é um factor a que nenhum estado escapa no sistema internacional do século XXI, podendo, no entanto ser de maior ou menor grau. A Europa Central está energeticamente dependente da Rússia e um “passo em falso” pode prejudicar o trabalho desenvolvido desde o pós-Guerra Fria. A Geórgia apesar de tentar sair da esfera de influência da Rússia, em termos económicos está largamente depende deste estado: a Rússia está em terceira no que às exportações diz respeito (7,7%) e em primeira no que se refere às importações (15,2%). A Ucrânia, por seu turno, tal como a Geórgia vê na Aliança Atlântica a única maneira para obter maior segurança face à Rússia. No entanto em termos económicos, ainda se encontra mais dependente que a Geórgia, já que a Rússia é o seu principal parceiro economico: 21% das exportações tem por destino a Rússia e 28,2% das importações é originária também desse Estado.
No que diz respeito aos problemas internos, a Geórgia é palco de vários conflitos, promovidos por movimentos de secessão nomeadamente na Abkásia e na Ossétia do sul, que levaram a que fosse feito um esforço orçamental extraordinário de forma a tentar garantir a integridade territorial. Devido a este conjunto de circunstâncias, tem persistido ao longo dos anos na Geórgia um panorama onde é difícil identificar áreas bem sucedidas: cerca de 50% da economia é subterrânea; o Estado tem sido incapaz de cobrar impostos à maioria da população e incapaz de cumprir as prescrições do Fundo Monetário Internacional (FMI); vive-se um contexto de pobreza, corrupção e impunidade; têm-se desenvolvido redes informais de poder; há cortes energéticos constantes; os principais sectores de actividade sofreram um acentuado decréscimo; e a consequente degradação do nível de vida estimulou o crescimento da emigração de população activa para a Rússia e para o Ocidente. É ainda de salientar que a Rússia dá o seu apoio às regiões da Geórgia que escapam ao governo central, o que a meu ver não tem qualquer sentido pois a Rússia também enfrenta dificuldades na Tchetchénia, na Ingushetia e no Daguestão.
Apesar da participação em instituições internacionais ter conhecido progressos por parte de ambos os estados, as democracias ainda são muito jovens e ainda se encontram em fase de “amadurecimento”. Se é verdade que, a Ucrânia mesmo sem ser membro da NATO possui tropas no Afeganistão, no Kosovo e no Iraque, também é verdade que para já não preenche os requisitos necessários para entrar numa organização como a NATO, isto porque os principais interesses dos governos quer georgianos quer ucrânianos são a resolução de alguns dos seus problemas. O que é facto é que a NATO não precisa de focos de instabilidade no territorio dos seus Estados-membros e seria imprudente cair no mesmo erro do passado - quando a Hungria aderiu e se deu uma crise inesperada no Kosovo.
A meu ver a ideia de incluir a Ucrânia e a Geórgia na NATO arrisca-se a agravar a relação já problemática dos Estados Unidos da América com a Rússia, isto porque Moscovo já contestou os planos americanos de construir um escudo anti-missil na Europa e criticou também o apoio à declaração unilateral de independência do Kosovo, assim como se arrisca a agravar também as relações com a União Europeia principalmente no que diz respeito à energia. Nesse sentido, é ainda precipitado incluir Kiev e Tbilissi na NATO, pois estes estados precisam ainda de se estabilizar e amadurecer as jovens democracias. As palavras do Primeiro Ministro francês -“Pensamos que isso não seria uma boa respostas ao equilibrio de poder dentro da Europa e entre a Europa e a Rússia”- refletem exactamente os problemas que iria causar este alargamento assim como as consequências do mesmo. Em última analise, poder-se-á dizer que se não se enfrentarem os problemas de frente, nunca se encontrarão soluções desejáveis e equilibradas. No entanto, a verdade é que este alargamento, neste momento, não só não é prudente e equilibrado como apenas é desejado pelos dirigentes da Geórgia e da Ucrânia. Quanto ao apoio dos Estados Unidos da América, acredito firmemente que estes ainda não avaliaram as consequências que este alargamento iria causar no espaço euro-atlântico assim como acredito que o apoio a este alargamento não passou de mais um “desvario” do Presidente Bush.
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