Quarta, 09 de Janeiro de 2008
ONU considera haver risco de um agravamento da recessão mundial
A economia mundial enfrenta graves dificuldades no que se refere a manter o forte crescimento económico dos últimos anos, diz a ONU, no seu relatório World Economic Situation and Prospects 2008 , divulgado hoje, em Nova Iorque.
Basicamente, a ONU prevê que o crescimento económico mundial siga a tendência decrescente dos últimos anos, diminuindo para 3,4% este ano, em comparação com 3,9% em 2006 e 3,7% em 2007.
Mas existe actualmente o perigo nítido de a economia mundial parar de crescer. Na segunda metade de 2007, a quebra registada no mercado imobiliário americano e a crise do crédito que começa a desenhar-se geraram incerteza nos mercados financeiros mundiais. Esta situação, aliada à quebra do dólar e ao facto de o problema dos grandes desequilíbrios mundiais continuar por resolver, pode contribuir para fazer baixar ainda mais a produção mundial. Para que isto não aconteça, a ONU aconselha uma acção política concertada a nível internacional, a fim de corrigir os desequilíbrios mundiais e serenar os mercados monetários.
Durante 2007, registou-se um crescimento económico mundial robusto e bastante geral. Mais de cem economias atingiram um crescimento da produção per capita de 3% ou mais. O crescimento dos países em desenvolvimento foi, em média, de 7%. Em África, o crescimento económico em 2007 aumentou para quase 6%, um acréscimo extraordinário, e prevê-se que, em 2008, este ritmo de crescimento acelere, ultrapassando os 6%.
No entanto, pode haver uma inversão deste êxito económico. A principal incerteza em relação a 2008 provém actualmente da economia americana. Um novo abrandamento da maior economia do mundo terá graves repercussões para os países pobres, pois irá fazer abrandar o comércio mundial e pôr termo ao aumento dos preços dos produtos de base de que esses países beneficiaram nos últimos anos.
A actual crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos agravou-se durante o terceiro trimestre de 2007 com o colapso dos empréstimos hipotecários de alto risco (subprime), desencadeando uma crise do crédito em grande escala cujos efeitos se fizeram sentir em todo o sistema financeiro mundial.
Os bancos centrais das principais economias adoptaram várias medidas para atenuar a situação de stress financeiro. Mas estas medidas não visam as causas profundas, que são os enormes desequilíbrios entre os países com excedentes financeiros, tais como a China, o Japão e os grandes produtores de petróleo, e os países deficitários, especialmente os Estados Unidos. Há que corrigir estes desequilíbrios, adverte a ONU, através de estímulos económicos nos países excedentários destinados a compensar os efeitos da contracção da procura nos Estados Unidos.
A instabilidade financeira gerada pelos mercados americanos do crédito hipotecário de alto risco está a ter efeitos indirectos significativos nos principais países europeus e, em menor medida, no Japão e noutras economias desenvolvidas. Os economistas das Nações Unidas consideram que as perspectivas de crescimento destes países em 2008 são menores, um sinal de que as outras grandes economias desenvolvidas ainda não são suficientemente fortes para substituir os Estados Unidos como motor do crescimento mundial.
Tendência para um forte crescimento no mundo em desenvolvimento 2008 poderá ser o quarto ano sucessivo em que o crescimento das economias em desenvolvimento atingirá um valor médio de 7%. A procura forte tem gerado postos de trabalho e reduzido o desemprego na maioria dos países, ainda que a um ritmo inferior ao do crescimento económico mundial e, em grande parte de África, onde a criação de emprego continua a ser lenta, a um ritmo inferior ao do crescimento da população. A inflação tem sido moderada, exceptuando-se alguns países menos avançados onde se têm registado grandes aumentos dos preços dos produtos de base.
À medida que o seu peso na economia mundial vai aumentando, pode pensar-se que o grupo dos países em desenvolvimento está a dominar o jogo em termos económicos. A parcela do comércio mundial que corresponde às economias em desenvolvimento e em transição aumentou de 35% em 2000 para mais de 40% em 2007. As razões de troca da maioria dos países exportadores de mercadorias primárias melhoraram pelo quinto ano consecutivo em 2007, enquanto os custos de financiamento externo das economias de mercados emergentes permanecem baixos. Muitas economias de mercado emergentes têm sido inundadas por investimentos em participações devido às suas taxas de crescimento mais elevadas e – numa extraordinária inversão de papéis – a uma aparente segurança relativa em comparação com o elevado grau de incerteza que reina nos mercados financeiros dos países desenvolvidos.
O crescimento económico impulsionado pelas exportações permitiu que os países em desenvolvimento acumulassem mais de 3 biliões de dólares em reservas de divisas estrangeiras, o que corresponde a três quartos do total mundial. Estas reservas podem servir para amortecer eventuais choques adversos, mas também representam um desafio para a gestão económica das economias em causa ao evitarem uma forte valorização das moedas. Ao serem investidas em valores expressos em dólares, as reservas monetárias substanciais acumuladas pelos países em desenvolvimento passam a fazer parte do problema dos grandes desequilíbrios mundiais, já que estes países funcionam como financiadores do défice externo dos Estados Unidos. Uma maior depreciação do dólar provocará a erosão do valor das reservas desta moeda, e a diversificação noutras moedas poderá precipitar uma quebra ainda mais acentuada do valor do dólar.
Existem outros indícios de que 2008 poderá ser um ano muito difícil para o mundo em desenvolvimento em termos económicos.
O abrandamento da economia americana e de outras economias desenvolvidas funcionará como um travão em relação à subida dos preços dos produtos de base, que tem impulsionado o crescimento dos países em desenvolvimento. Esse abrandamento afectará o comércio mundial, que em 2007 já começou a diminuir depois de ter apresentado taxas de crescimento relativamente elevadas em 2004 e 2006. Um outro aspecto que se tornou evidente em 2007 foi a maior volatilidade dos fluxos de investimentos – e as economias de mercado emergentes já têm experiência de grandes surtos de expansão do investimento seguidos de quebras bruscas.
Cenário pessimista Atendendo a que os preços da habitação ajustados à inflação aumentaram aproximadamente 90% nos Estados Unidos na década até 2006, existe uma margem considerável para um ajustamento desses preços no sentido da baixa, dizem os economistas americanos. O risco é agravado pelo endividamento das famílias, que aumentou em flecha nos Estados Unidos, nos últimos anos. Uma diminuição de 15% dos preços da habitação iria provavelmente afectar a procura pelos consumidores e reduzir o crescimento dos EUA em 2%, fazendo praticamente parar o crescimento da economia americana em 2008.
As economias do Japão e da Europa Ocidental, que já estão a funcionar a um nível de produção próximo do seu potencial, não estão em posição de suportar este abrandamento. É manifesto que o comércio tem um papel cada vez mais importante no crescimento económico mundial, e as exportações já correspondem, em média, a 40% do PIB de todas as economias fora dos EUA. O efeito de dominó de uma recessão nos Estados Unidos seria uma quebra do crescimento das exportações da China, Europa e Japão, o que, por sua vez, reduziria a sua procura de exportações dos países em desenvolvimento.
A crise da habitação nos EUA e noutros países desenvolvidos está organicamente ligada aos desequilíbrios financeiros mundiais que surgiram nos últimos dez anos. Um aspecto significativo apontado pela ONU é que a maioria das economias em que se registou um aumento substancial dos preços da habitação também sofreram um agravamento do défice da balança de transacções correntes.
A dívida externa americana atingiu aproximadamente 3 biliões de dólares em 2007, e começa a considerar-se que o endividamento dos Estados Unidos se está a aproximar de um nível insustentável. O risco de uma correcção desordenada dos desequilíbrios mundiais tornou-se talvez maior, observa a ONU, dada a espiral descendente do mercado da habitação nos Estados Unidos e a derrocada do mercado do crédito hipotecário de alto risco daí decorrente. Uma "aterragem dura" do dólar fará diminuir ainda mais a procura americana de produtos no resto do mundo, reduzindo as exportações dos países em desenvolvimento e afectando o nível de vida das famílias americanas.
São necessárias acções políticas concertadas Embora o realinhamento das taxas de câmbio seja um dos ingredientes da correcção dos desequilíbrios mundiais, a ONU adverte, não pela primeira vez (ver World Economic Situation and Prospects 2006 e 2007), que recorrer exclusivamente ao ajustamento das taxas de câmbio envolve o risco de perda de confiança no dólar e de uma corrida a esta moeda, o que precipitará a sua queda.
A fim de evitar a instabilidade financeira e salvaguardar os progressos ao nível do desenvolvimento conseguidos nos últimos anos, a ONU considera preferível enveredar pela via da acção política coordenada.
Em circunstâncias mais normais, o actual abrandamento da economia americana poderia ser corrigido através das reduções das taxas de juro introduzidas para estimular a economia. Mas, no contexto actual, isso poderá precipitar uma depreciação e perda de confiança maiores no dólar. Seria mais seguro e mais útil estimular a economia através de um reforço da procura nos países com poupanças substanciais e grandes excedentes da balança de transacções correntes, tais como a China, o Japão e os países exportadores de petróleo. Na China, isso poderá conseguir-se através da intensificação do investimento e dos gastos públicos nos sectores da saúde, educação e segurança social. Na Europa e no Japão, as reduzidas pressões inflacionistas justificam que se ponha termo às restrições monetárias e se assuma uma posição neutra ou moderadamente estimuladora.
Para além de medidas coordenadas de estimulação, os governos devem tomar medidas concertadas no sentido de evitar o descalabro do dólar, já que uma descida rápida e desordenada poderá provocar uma recessão, tal como já se referiu. A acção internacional deve incluir um realinhamento concertado das taxas de câmbio, o que contribuirá para uma "aterragem suave", permitindo evitar uma "aterragem dura".
O risco de uma aterragem dura é agravado pela própria natureza do sistema de reserva mundial, que utiliza a moeda nacional dos Estados Unidos como principal moeda de reserva e instrumento do sistema de pagamentos internacionais. Com um sistema deste tipo, a única maneira de o resto do mundo acumular activos e reservas expressas em dólares consiste em os Estados Unidos manterem um défice externo.
Com o decorrer do tempo, será possível conseguir uma maior estabilidade através de um sistema de reserva de múltiplas moedas com apoio oficial. Um sistema financeiro multilateral bem concebido deverá criar condições equitativas para todas as partes e evitar a concorrência desleal e assimetrias no que se refere à repartição dos encargos decorrentes dos ajustamentos cambiais. Seria igualmente útil reforçar a estabilidade do sistema financeiro internacional, reduzindo a probabilidade de um cenário de crise em que uma fuga de capitais da principal moeda de reserva poderia ter repercussões profundas em toda a economia mundial.
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