terça-feira, maio 27, 2008

A China Como Potência Conflituosa no Sistema Internacional


O Sistema Internacional pela parte dos países ocidentais pretende colocar “inputs” na China para que “outputs” culminem numa integração no Sistema Internacional. Esta fórmula tem em vista criar uma dependência na qual a máquina de decisão da política externa seja afectada pelos “inputs” colocados pelos países ocidentais. É uma visão que não se aplica somente à China. Remonta ao período da guerra-fria em que o mundo bipolar era regido por “inputs” que visavam conter os “outputs” da ideologia de vanguarda bolchevique. Após a queda da URSS o Sistema Internacional deixou de ser bipolar passando por isso a reger-se pelas leis de mercado das economias liberais de estado de direito. Os EUA e o capitalismo haviam vencido a guerra-fria. A tentativa de os EUA em moldar o “mundo livre” para uma aliança de defesa-colectiva instituída na NATO era o culminar de um projecto iniciado com o plano Marshall, os seus frutos são a consagração da democracia como o melhor dos regimes assim como do triunfo dos valores ocidentais.[1]

A China no Sistema Internacional é uma incógnita, representa um algarismo de uma equação para o qual não se tem certezas até que a soma das partes esteja completa. Esta realidade pode ser espectável se a China se sentir isolada e vista como um perigo iminente em todos sectores em que actua. A doutrina Nixon iniciada em 1968 deu um passo pioneiro nas relações entre os dois países, acabar com a “vietnamizaçao” era um dos objectivos. Explorando o conflito sino-sovietico um “reengaging” com a China era a melhor solução para que os EUA não saíssem do Vietname enfraquecidos, este “disengage” era na época uma maneira de mostrar à URSS que os EUA iriam retomar relações diplomáticas com Mao.[2]

Porém é totalmente irrealista a visão de uma China sujeita aos grandes países mundiais no intento de a manter sob o seu controlo. A sua manipulação é cada vez mais complexa tornando-se uma miragem para a maioria dos países europeus que 2035 segundo as estimativas e caso as premissas não se alterem, irão ver a China tornar-se mais competitiva na globalidade de todos os sectores.

Exercer pressão sobre a China em matérias como Taiwan ou o Tibete é pura ilusão. São matérias actualmente usadas nos media, mas que em nada farão a China alterar a sua posição oficial de não auto-determinação. Estas questões tidas como de interesse nacional não podem ser resolvidas com a pretensão ocidental de arrogar uma defesa de valores ocidentais sobre os de interesse nacional chinês. Por isso uma visão que pretenda desestabilizar a China ou mesmo que pretenda a sua implosão não é o mais aconselhável, mas uma aproximação à China de fora a incluí-la no Sistema Internacional sem que esta exerça uma hegemonia a par dos EUA.[3] O busílis da questão está em saber como o Sistema Internacional pretende lidar com a China? Se através de relações comerciais e diplomáticas ou se a contenção vale o risco. Isolar a China é condenar milhões de pessoas à pobreza assim como semear a instabilidade internacional, seja nas principais bolsas mundiais ou a nível regional. A administração Bush tem sido crítica em relação à China, nomeadamente por Paul Wolfowitz quando em 1997 falou num “containment” à China. Isto vem na chamada “Doutrina Bush” que visa a democratização do Sistema Internacional numa onda multilateral.[4]

Alguns observadores comparam China à Alemanha do Kaiser. Robert Kagan, por exemplo diz que a China quer assustar os EUA a saírem da Ásia, assim como o Kaiser quis assustar a Grã-bretanha antes da I Guerra Mundial. Arthur Waldrom, também pensa que mais cedo ou mais tarde a guerra na Ásia é provável. Todo este pensamento dos teóricos ocidentais incide sobre um perigo por parte da China. Atendendo a uma lógica realista não convém à China ter uma guerra na região para não afectar a sua estabilidade interna que está condicionada pelo recursos energéticos de que tanto precisa. Ao vermos a China como um rival a tentativa de entendimento fica anulada pelo sentimento de perigo de uma potência com intenções de impor a sua visão a nível regional ou num plano global. A China não tem de momento face aos EUA qualquer expletiva faculdade de ultrapassar em soft power ou hard power a maior super-potência mundial. O crescimento interno sustentado é o maior objectivo da China para o século XXI. Uma possível guerra contra os EUA não tem partidários de nenhum dos lados, pelo facto de não existir uma decisão racional que provoque tal acontecimento. Nem a “Doutrina Bush” tem nos seus objectivos desencadear uma guerra contra a China.[5]

A complexidade crescente do sistema Internacional faz a China um opositor, a sua tendência para exercer poder na região irá chocar com s interesses dos EUA e do Japão, o que pela ordem natural das coisas levará Japão rearmar-se contra um possível perigo. Assistimos na região ao cenário de uma balança de poderes que cada vez mais tem assumido um papel de destaque mundial. O que surgir na Ásia moldará a ordem mundial

Será a procura por uma economia sustentável que conduzirá a superstrutura Chinesa a exercer pressão no Sistema Internacional. O seu subsistema enquadra-se nos ensinamentos de Tau e Confúcio. O seguimento do moral aplicado a todos na sociedade é a função do governo assim como a manipulação pelas instituições do sócio-cultural. Este legado filosófico, político e religioso complementa-se por uma inexistente partilha dos valores ocidentais. A estrutura interna da china encontrou no marxismo-leninismo uma fórmula de mutação, crescente na Ásia devido a este legado de centralização do poder e fortalecimento das instituições. Aqui podemos comparar a substrutura chinesa com a Alemanha do Kaiser devido à forte implementação das instituições e do que estas representam para a sociedade em que se inserem. A adopção do marxismo-leninismo foi também uma forma de reprimir os valores ocidentais, fruto do colonialismo e das suas marcas na sociedade e prestígio do Estado chinês. São poucos os membros do Partido Comunista Chinês que sabem distinguir as bases político-sociais e económicas da superstrutura. Uma das mais importantes características do sistema político chinês é a sua elevada concentração de poder político no Partido Comunista Chinês. Dentro do partido o poder é concentrado nas mãos de um ou poucos líderes. Política externa, assuntos militares e organização de trabalho do partido. As matérias mais sensíveis são concentradas no líder ou em alguns membros o que limita o processo de decisão.

A China é para os EUA um problema devido à sua influência regional. Após a II Guerra Mundial os EUA controlaram a política externa do Japão assim como a sua capacidade militar. A possibilidade de um novo adversário que possa exercer na região um poderio económico e militar não e visto com bons olhos para s EUA nem pelo mundo ocidental. Segundo Timothy Garton Ash a China a uma escala mundial só possui 4% de armas, menos eu a França, Grã-Bretanha ou Alemanha e muito menos todos estes juntos do que os EUA. Porém possui 12% do dinheiro mundial só ultrapassado pelos EUA.[6] Podemos comparar que só a China pode exercer pressão face aos EUA e ainda que de forma inferior como diz Mearsheimer após a sua consolidação interna esta quererá ser cada vez maior para dominar cada vez mais. Podendo ressurgir nacionalismos assentes no orgulho ferido da colonização pelo ocidente e pela derrota militar com o Japão durante a II Guerra Mundial em que a Chia viu parte substancial do seu território invadido. Pela teoria de Mearsheimer mais vale ser um gigante do que um peq ueno Estado, esta tem sido a política Chinesa. Acreditar que os Jogos Olímpicos e a Expo 2010 só por si vão mudar a China é aceitar que esta está disposta a fazer parte do Sistema Internacional tal como ele é, o que não só por si não prova nada, pois a Alemanha de 1936 não deixou de fazer uma guerra mundial só pelos jogos olímpicos. Nem a China alterará a sua postura em relação ao Tibete ou Taiwan nem os EUA deixarão de conter a China. A ideia de que pelo facto de a China estar em crescimento não fará a guerra é um argumento que a história já provou não ser válido.[7]

Em suma o crescimento chinês será feito de forma gradual da mesma forma que os EUA deixarão de participar com os seus dólares por todo o mundo. A crise do subprime e o aumento do preço do petróleo e cereais faz com que a Super-Potência mundial tenha de aos poucos ir se retirando de um cenário unipolar para um cenário multipolar. Á medida que isto for acontecendo a China será cada vez mais forte na região e no Sistema Internacional. Assim o Japão terá de por si tratar dos seus assuntos militares ou integrar a OTAN. Na primeira opção deu-se um cenário de multipolaridade e a OTAN não se tornou numa organização de segurança colectiva, no segundo tornou-se e terá de desafiar membros do Sistema Internacional como a China e seus possíveis aliados como a Rússia. Aqui fica sem resposta qual o papel da Uniam Europeia, visto que o futuro desta instituição determinará a postura dos EUA no Ocidente. Uma União Europeia para além da OTAN e uma China forte, fazem o Sistema Internacional seguir a tendência da primeira opção apresentada, a extinção da OTAN e a emergência militar do Japão e China. Juntamente com as consequências que isso acarreta.



[1] James E. Dougherty, Robert L. Pfaltzgraff, Jr. “Relações Internacionais: As Teorias em Confronto”, Gradiva, Lisboa 2003.
[2] Thomas W. Robinson, “China Confronts the Soviet Union: Warfare and Diplomacy on China’s Inner-Asian Frontiers”, Fairbank and MacFarquhar, Cambridge, History of China, xv. Pp. 218-301 e 402-472.
[3] Joshua Copper Ramo, “The Beijing Consensus”, Foreign Policy Centre, London 2004, pp. 55-60.
[4] Preemptive War and International Law Steven C. Welsh, CDI Research Analyst, http://www.blogger.com/swelsh@cdi.org
5 De Dezembro de 2003, http://www.cdi.org/news/law/preemptive-war.cfm. No final deste texto pode-se encontrar bibliografia suplementar por ser extensa não se adequa para este trabalho. Porém o texto fundamental da Doutrina Bush pode ser lido na integralidade neste link aqui colocado, sendo que foi este link que serviu para a formulação de uma síntese com o trabalho da Política Externa Chinesa.
[5] Joseph S. Nye Jr. “The paradox of American Power: Why the World’s Only Superpower Can’t Go It Alone”, New York, Oxford 2006, pp. 18-22.
[6] Timothy Garton Ash, “Free World: America, Europe, and the Surprising Future of the West”, New York, Vintage Books 2004.
[7] Zbigniew Brzezinski, John J. Mearsheimer, “Clash of the Titans”, Foreign Policy, 00157228, Jan/Feb 2005, issue146.

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