terça-feira, maio 16, 2006

Epílogo (2ª parte)

Quase duas semanas após a realização da conferência organizada pelo CEPRI, Marques de Almeida continua a comentar o Islão/Ocidente no Diário Económico. Duas conclusões podem ser tiradas:
1- Vale a pena o CEPRI organizar conferências e tornar-se cada vez mais num verdadeiro centro de estudos políticos, com uma participação crescente dos alunos de R.I e C.P.
2- Espero que o Ângelo Correia tenha acesso à internet para poder ler os artigos do Marques de Almeida ou outros nos jornais online, para assim, poder ter opiniões menos parciais em relação ao Islão (É que este senhor ocupa actualmente estes dois cargos: Presidente da Direcção da Câmara de Comércio e Industria Árabe Portuguesa e Cônsul Honorário do Reino Hachemita da Jordânia em Portugal...).


Falar com o Irão


É fundamental abandonar a doutrina da mudança de regimes através do uso da força militar, defendida por alguns nos Estados Unidos.

Na semana passada, o Presidente George W. Bush recebeu uma carta do Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e um apelo da Chanceler alemã, Ângela Merkel, para negociar directamente com o Irão. No primeiro caso, já afirmou que não tenciona corresponder-se com Teerão, e não podia ter dado outra resposta. A carta não passa de um velho truque Troskista, quando Trotsky afirmou em 1917 que a diplomacia soviética não seria mais do que fazer “apelos revolucionários”. De resto, a carta revela a natureza revolucionária do regime iraniano. Como demonstram as críticas à democracia, ao liberalismo e ao Ocidente em geral, os objectivos são mobilizar a esquerda radical e anti-globalização e o “mundo islâmico” para se opor aos Estados Unidos e aos países europeus. Não há uma única referência a negociações entre Washington e Teerão sobre o programa nuclear iraniano para evitar uma escalada do conflito. Neste sentido, a carta é extremamente clarificadora sobre as intenções provocadoras do Presidente iraniano. Dito isto, parece-me que o pedido de Merkel faz, pelo contrário, todo o sentido.

Há duas razões que podem explicar a recusa dos Estados Unidos em falar com o Irão. Ou porque não querem reconhecer a legitimidade do regime iraniano; ou então porque não acreditam na eficácia do diálogo. Ambas as razões são más e o governo norte-americano deveria reconsiderar a sua posição. A questão do reconhecimento da legitimidade do regime islâmico tem vários pontos que devem ser discutidos. Em primeiro lugar, o regime goza de legitimidade interna, a que mais conta, tem uma existência política real e é reconhecido por uma imensa maioria de Estados e instituições internacionais. Os próprios norte-americanos reconhecem a importância do Irão para o processo de estabilização do Iraque e, ninguém tenha dúvidas, têm contactos regulares com autoridades iranianas. No outro plano da legitimidade política, o tipo de comportamentos externos, o regime iraniano tem indiscutivelmente problemas: apoia grupos terroristas, nomeadamente no Líbano e na Palestina; e desrespeita os seus compromissos com o Tratado de Não Proliferação. Resta saber se a estratégia do não-reconhecimento será a melhor maneira de lidar com regimes radicais como o do Irão. A história demonstra que normalmente o resultado é o aumento da radicalização. E aqui chegamos a um ponto crucial. É inteiramente compreensível que Washington deseje a queda do regime iraniano, o qual tem sido um permanente factor de perturbação regional. No entanto, é fundamental abandonar a doutrina da mudança de regimes através do uso da força militar, defendida por alguns nos Estados Unidos. Seria o caminho para uma grande instabilidade internacional. Além disso, a estratégia de confronto não ajuda a oposição iraniana, como afirmam muitos dos dissidentes do país. Pelo contrário, tem reforçado a ditadura teocrática de Teerão. A história recente das relações com o Irão demonstra que é necessário repensar as estratégias de apoio à mudança de regime por meios pacíficos. E a história das revoluções europeias de 1989 mostra que os movimentos internos são decisivos para acabar com regimes totalitários.

Por outro lado, a garantia norte-americana de que não recorrerá ao poder militar para derrubar o regime iraniano é a última possibilidade de atrasar o programa nuclear de Teerão. Aceito que as hipóteses do Irão alterar o seu comportamento são muito reduzidas, mas neste momento as negociações directas constituem a única opção para evitar a nuclearização ou a guerra. Há duas razões que deveriam Washington a levar a sério a diplomacia, obviamente sem nunca renunciar à possibilidade de recorrer á guerra. Em primeiro lugar, a maior potência mundial tem responsabilidades especiais perante a manutenção da ordem internacional. Ora, as negociações são um instrumento crucial para a imposição da ordem, principalmente quando se adivinha um sarilho muito complicado. O Governo norte-americano tem que evitar a todo o custo cair numa situação em que o recurso à diplomacia é entendido como um sinal de fraqueza e apenas a guerra seja vista como um sinal de poder. Uma das maiores artes da diplomacia é ser capaz de negociar numa posição de força. Aliás, há um exemplo histórico bem próximo da actual administração republicana: o segundo mandato de Ronald Reagan. Em segundo lugar, os Estados Unidos só contarão com o apoio dos países europeus se levarem a diplomacia a sério e esgotarem as possibilidades de negociação. E desta vez, a tese de fazer da “Europa” uma potência alternativa aos Estados Unidos não tem força. Teve durante a crise do Iraque, mas agora já não tem. Foi isto que Merkel disse a Bush no encontro da Casa Branca.
Há ainda uma coisa pior do que uma guerra no Irão ou um Irão nuclear: o fim da Aliança Atlântica.
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João Marques de Almeida, Director do Instituto de Defesa Nacional
in Diário Económico


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